No caminho deste quinto dia de expedição, paramos numa vila para dar uma volta a pé e comprar o que mais anunciavam nos mercadinhos em letras grandes e coloridas: COLD DRINKS. Para nossa decepção, as geladeiras estavam desligadas para economizar a energia que os painéis fotovoltaicos proviam para as baterias. Os refrigerantes estavam poucos graus a menos que a temperatura ambiente, mas o suficiente para prover uma sensação refrescante. Era um alívio para o grande calor que fazia e uma recompensa pelo desconforto das últimas 24 horas. Eu nem me importava de me entupir com refrigerantes que não eram diet.
Ao redor do mercado, algumas dezenas de homens sem nada para fazer, sentados à pequena sombra da casa. Conversamos com um deles que tinha um inglês razoável (dizia que era guia) e tiramos fotos. Quando mostrei as fotos a eles, começaram a rir muito e a conversar entre eles sem que eu pudesse entender. Depois me esclareceram que estavam rindo da minha cor, pois, segundo eles, eu era demasiadamente branca.
O mesmo rapaz com o inglês bom, pediu ao Rafael que desse o boné que estava usando de presente a ele. Rafael teve que explicar que como era branco, precisava do acessório muito mais do que ele. Mas prometeu que em um futuro retorno àquela turística vila, daria o boné a ele. Novas risadas...
Deserto de areia, de pedras e com palmeiras. |
Parada na vila para comprar bebidas "geladas". |
Conversando com os locais, que comentaram e riram: "você é muito branca". |
Novamente pegamos a "estrada" e atravessamos novos cenários de deserto. Deserto de areia, deserto de pedras, deserto com palmeiras,... Era uma nova região sem a presença humana. Porém apenas aparentemente não havia pessoas.
A cada parada que fazíamos, fosse para bater fotos, fosse para ir ao "matinho"/ banheiro, em poucos minutos apareciam pessoas caminhando em nossa direção. Pastoreiros e crianças surgiam como que por mágica, para nos observar ou pedir comida e água.
Este tipo de "visita" inesperada aconteceu com maior intensidade na nossa parada para almoço, quando permanecemos mais tempo no mesmo lugar. Paramos com o carro embaixo de uma linda árvore que nos provia uma sombra agradável. O cozinheiro logo pôs-se a trabalhar e ficamos aguardando nossa refeição. Ao redor, não havia qualquer indício da existência de pessoas na região.
Enquanto almoçávamos, algumas pessoas da tribo Turkana foram aparecendo no horizonte. Vinham caminhando ao nosso encontro e paravam acocorados a poucos metros de nós. De alguma forma eles nos enxergavam de longe.
Nossa parada para almoço. Momentos antes de recebermos as visitas. |
Ele tinha um pouco de razão: demos a comida aos poucos que ali estavam e logo surgiram outras pessoas vindo do horizonte. Mulheres com bebês nas costas, crianças quase peladas e idosos. Como será que nos viam de tão longe? Pediam mais comida.
Também pediram com insistência a nossa água. Demos uma garrafa e nos pediram mais. Pediam até nossas garrafas vazias, provavelmente para terem recipientes para estocar água depois. Como nossa próxima parada era em um acampamento na beira do lago Turkana, demos a água que estava nos galões para lavar a louça. Não era água que beberíamos.
Enquanto não íamos embora, eles continuavam a pedir mais coisas. Não adiantava dizer que também precisávamos de água para nossa viagem.
Bati algumas fotos deste momento, mas não muitas, pois eles não gostam e alguns ficam brabos (acreditam que estamos roubando o espírito deles).
Três pessoas da tribo Turkana e um de nossos seguranças. |
Eu fazendo contato. Contrastes... |
Repassando nossa sobra de água. |
Do carro, nos despedimos das mulheres e das desnudas crianças. |
ACAMPAMENTO NO LAGO TURKANA
Nossa acampamento no lago Turkana era coisa de cinema. Choupanas típicas de palha, cada uma com 2 camas de tábuas estreitas e colchão, construídas a beira do lago cor turquesa. Lindo. A porta era apenas uma esteira, presa no alto da entrada e que balançava com o vento.
Dentro a temperatura era mais agradável que do lado de fora: os caseiros do acampamento tinham jogado água no chão para refrescar. A evaporação desta água dava uma sensação agradável de frescor.
Lago Turkana. Ao fundo é uma das ilhas, pois a margem do outro lado não é possível de ver. |
Nosso acampamento. A frente era o refeitório, e ao fundo as choupanas onde dormíamos. |
Nossa choupana por 2 noites. |
Os banheiros eram feitos com paredes de palha, sem teto. Da mesma forma eram feitos os chuveiros, providos com água do próprio lago (para horror das estrangeiras europeias que argumentavam que o lago tinha parasitas). Como estes ambientes não tinham porta, apenas um anteparo, era preciso colocar algo pendurado na frente para sinalizar a presença de alguém, ou então fazer algum barulho de advertência.
Caminhamos, eu e o Rafa, na beira do lago. Vimos pescadores puxando suas redes cheias de peixes. Suas embarcações eram troncos amarrados, tipo jangadas, e eles enfrentavam o lago cheio de crocodilos com muita tranquilidade.
Nós fomos advertidos a não entrar no lago, pois os crocodilos eram perigosos. No entanto, as crianças da região banhavam-se e brincavam na água: os locais conseguiam avistar os crocodilos a grandes distâncias.
Jangada e rede de pesca no lago Turkana. |
Durante nosso passeio a beira do lago, vimos 2 caminhonetes paradas com turistas. Fomos cumprimentá-los e formos muito bem recebidos. Ofereceram a nós cerveja super gelada (eles tinham a caminhonete cheia de isopores com gelo, abastecidas com cerveja, vinho e refrigerantes). Era a bebida mais gelada que tínhamos tomado nos últimos dias e aceitamos com muita alegria. Delícia.
O fim de tarde estava espetacular, apesar do calor. Abrimos um vinho para brindar o alcance de nosso objetivo: chegar ao lago Turkana. Uma região tão remota que até os quenianos da capital nos questionavam para que fazer tamanha empreitada. Mas o lugar realmente era incrível e o esforço tinha valido a pena. Tínhamos lua cheia e vi uma enorme estrela cadente caindo no lago.
Ao irmos nos deitar, percebi que seria outra noite de sacrifício com o calor. Não tínhamos vento e eu suava muito na choupana. Estava muito abafado dentro, o contrário da sensação durante o dia. Tentei meditar para ver se eu esquecia aquele calor e deixava de sentir meu corpo, mas a técnica não é meu forte.
Achei que eu ia passar outra noite em claro sofrendo com o calor, mas eu estava enganada, seriamente enganada...
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