Um dos desafios a que me propus realizar no Irã era subir o Monte / Vulcão Damavand, um pico lendário, cartão postal, marca de água mineral, nome de estabelecimentos e ruas no Irã.
Fazer montanhismo no Irã é algo bastante popular, inclusive para muitos senhores e senhoras com cabelos já bem branquinhos. Há várias lojas de equipamentos específicos, inclusive uma região no centro de Teerã com dezenas e dezenas de lojas uma ao lado da outra só com artigos do ramo (montanhismo, esqui, etc).
Iniciamos os treinos específicos com quase 2 meses de antecedência, frequentando trilhas de 15 a 20 km de extensão, em altitudes de 3 a 4 mil metros. Em Teerã, este local de treino é de fácil acesso, visto que a cidade já encontra-se a quase 2 mil metros de altitude, e ao norte da capital há uma excelente cadeia de montanhas com um dos seus picos (Tochal) chegando a seus 4 mil metros. Nesta mesma montanha há um extenso teleférico que leva trilheiros e amantes do esqui ao topo. Alguns de nossos treinos resumiam-se a subir todo o pico a pé (levando de 6 a 8 horas) e a fazer a descida pelo teleférico, poupando nossos joelhos.
Para o Damavand, contratamos uma guia local para nos levar ao pico, e que após uma rápida entrevista concordou em nos levar em um pacote de 3 dias. Normalmente, para esportistas que vêm treinando apenas no nível do mar, é recomendado que a subida seja feita de 4 a 5 dias para uma boa aclimatação.
Nosso grupo resumiu-se a 5 elementos: eu, Rafael e Eduardo (nosso amigo brasileiro que também mora no Irã), juntamente com a guia e seu auxilia/ cozinheiro. O pacote nos custou aproximadamente 500 dólares por pessoa, com toda a comida inclusa, alojamento no acampamento a 4200 metros e orientações diversas.
Eduardo, eu e Rafael com o Monte Damavand ao fundo. |
1o dia (19/08/2011):
Saímos de casa às 7 da manhã com destino à base da montanha. Para economizar nos custos, recusamos um carro para nos levar até o acampamento base, fato que quase nos arrependemos, pois foi com muito custo que conseguimos colocar todas as mochilas, mantimentos e garrafas d'água dentro do nosso "aparente espaçoso" Kia Sportage.
Em um lugar improvisado na associação dos montanhistas do Damavand, tomamos um reforçado café da manhã com direito a pão, geléia, queijo, café (com leite condensado - opcional), chá. Ali deixamos nosso carro e deste ponto em diante prosseguimos em um carro pouco convencional: uma lata velha que diziam ser 4x4, com direito a teto com neon azul e tela de LCD passando clipes de músicas nada islâmicas. Durante o trajeto, tentei me conter, mas não consegui deixar de solicitar ao condutor que reduzisse a velocidade especialmente nas curvas sem proteção alguma da estrada. Eu realmente não estava disposta a confiar que os freios iriam funcionar naquelas condições. E eu que pensava que passaria por algum risco só na montanha....
Chegando ao acampamento base, pegamos nossas mochilas e ficamos aguardando. Cada um recebeu um "kit lanche" para o primeiro dia na trilha: pepino, banana, pistaches, balinhas, suco em caixinha, além de uma garrafa grande de água que logo despejei no meu Camelbak.
Nosso "possante" 4x4 com neon interno no teto e tela de LCD com DVD. |
Iniciamos a trilha apenas com as mochilas de
"ataque" (pequenas) com o essencial (comida, casaco,
câmera). As mochilas grandes com nossos sacos de dormir e roupas
extras seguiriam com mulas até o acampamento a 4200 metros.
Devo dizer que este primeiro dia foi bastante
tranquilo comparado com os treinos que vínhamos fazendo. Foram
apenas 6 horas de trilhas morro acima. Na etapa final, já acima dos
4 mil metros, era evidente o aumento de esforço para vencer um
pequeno trajeto, mas não foi nada demais e durante praticamente todo
este primeiro dia, conversamos e contamos piadas.
Ao chegarmos no abrigo, quase me desesperei. Ao
redor, centenas de barracas anunciavam a lotação do local. Entramos
no alojamento e ficamos aguardando no frio refeitório. Já estava
procurando um canto do refeitório onde poderia me encolher durante a
noite, já que não havíamos trazido barracas. Porém, nada como ser
estrangeiro num país hospitaleiro: o "gerente" do abrigo
deu um jeito e nos colocou para dormir no depósito deles, um pequeno quarto cheio de colchonetes empilhados, sacos de dormir e garrafas
d'água estocadas que deixavam o ambiente até bem quentinho e mais
privativo que o grande salão com dezenas de beliches que já estava
lotado. Senti-me super VIP ali.
2o dia (20/08/2011):
Levantamos antes do amanhecer do sol para tomar
café. Este seria o grande dia e comi bastante no café da manhã,
estimulada também pelo frio da altitude. Engoli 2 aspirinas, só para garantir. Todos fizeram o mesmo (o ácido acetilsalicílico tem efeito vasodilatador, aumentando a eficácia da absorção de oxigênio).
A trilha era por um vértice da montanha, cheia de
pedras e cascalhos soltos. Não fosse por este trajeto,
prosseguiríamos por dunas de areia que nos prejudicariam na conquista do cume. Melhor por ali, segundo nossa guia. Porém, em muitos
pontos, eu tinha que me concentrar apenas no metro de pedras a minha
frente, pois olhar para os lados me dava vertigem. Os bastões de
trekking mostraram-se essenciais para esta montanha!
Deixando o acampamento para trás. Já estávamos acima das nuvens. |
Já de gorro e óculos de esqui. |
Tentamos empreender o mesmo ritmo de conversas e
piadas do primeiro dia, mas logo percebemos que isso não seria
possível. Caminhávamos muito lentamente, e eu me concentrava para
inspirar e expirar no ritmo de 2 passos lentos. Da metade do trajeto
em diante, passei então a inspirar e expirar no ritmo de apenas 1
passo lento. Ninguém falava mais nada. O Rafael começou a sentir
mais fortemente a altitude, tendo dores de cabeça e náuseas. A guia
tomou sua mochila de ataque para aliviar seu peso, facilitar o avanço
na montanha e diminuir o desequilíbrio. Era bastante perigoso (até
mesmo fatal) qualquer escorregão ou "saída" da trilha.
Também foi preciso fazer várias paradas extras para descanço, mas
ninguém reclamou, muito pelo contrário.
Faltando uma hora e meia para alcançarmos o cume,
nossa guia fez uma parada "oficial" para descanço e
lanche. Nos advertiu então que a última etapa seria a mais difícil,
com o solo transformado em pura areia fina e o ar infestado de gás
sulfúrico. Não seria adequado fazer novas paradas neste trajeto.
Alguns dizem que o Damavand é um vulcão extinto, outros que está apenas adormecido; na minha opinião ele está é bem "vivinho" cuspindo sem parar este gás nojento para nos advertir que não deveríamos estar ali.
Alguns dizem que o Damavand é um vulcão extinto, outros que está apenas adormecido; na minha opinião ele está é bem "vivinho" cuspindo sem parar este gás nojento para nos advertir que não deveríamos estar ali.
Último descanso grudados nas rochas. |
Prosseguimos e logo percebi o grande esforço que
estava por vir. Toda a minha mente estava focada em respirar,
caminhar e seguir os pés da guia. Eu só olhava para o chão, no
máximo a 3 ou 4 metros a frente. Olhar para o pico era mais um
esforço que eu evitada nesta etapa final. Meus olhos ardiam muito,
mesmo usando óculos de esqui, e começaram a lacrimejar. Esfregar o
olho era pior, pois faria o pó contaminado entrar na cavidade.
Eu conversava comigo:
"Concentração...
1 passo - inspira, expira
Esqueça os olhos. Eles vão ficar melhor depois que você sair daqui.
1 passo - inspira, expira
Ainda bem que eu vim sem lentes de contato.
1 passo - inspira, expira
Você tem que chegar. Falta pouco. Agora não pode voltar.
1 passo - inspira, expira
...
"
De repente a guia parou e sentou. Mas ainda não
estávamos no pico. Faltava tão pouco...
Então entendi que ela queria que nós chegássemos
ao pico antes dela, como uma última gentileza de montanha.
Fui em frente e os meninos colaram em mim. Faltava
tão pouco e chegamos juntos.
Chegamos! Cheguei! (...) Posso chorar agora?
Foram quase 11 horas até o cume. Batemos algumas
fotos, apreciamos a cratera. (Não é que tinha um louco acampado bem
no meio?)
Infelizmente nosso tempo no topo era curto, tanto
pela altitude quanto pelo gás sulfúrico ou pela enorme
descida que teríamos que fazer, preferencialmente, durante o dia.
A descida fizemos por outro caminho, pela parte de
dunas, onde podíamos dar passos largos que naturalmente eram
amortecidos pela fina areia. Mesmo sendo descida, durou uma
eternidade, já que o trajeto era longo e estávamos bem cansados,
especialmente o Rafael com a náusea de altitude.
No abrigo comemoramos com um jantar bem quente e
brindamos no nosso quarto-depósito* com alguns goles de conhaque.
*nesta segunda noite tivemos a opção de mudar de
local para dormir, mas preferimos permanecer no depósito, que era
privativo e quentinho.
3o dia (21/08/2011):
Hoje não éramos obrigados a acordar cedo, mas queríamos ir para casa logo, ao encontro de um chuveiro bacana com água encanada quente. No Damavand banheiro propriamente dito é um luxo inexistente e a única água encanada disponível para higiene, era um cano de plástico vindo com água congelante da montanha que desembocava quase grudado no chão em meio a pedras.
Nosso depósito de dormir. |
Banheiro (na casinha) e "pia" à esquerda (onde a menina está acocorada). |
A grande demora de nossa descida neste 3o dia foi o atraso das mulas. Após o café da manhã, esperamos mais de 2 horas para finalmente iniciarmos a descida.
Nenhuma grande novidade nesta etapa de descida, apenas o fato de termos encontrado um grupo de umas 20 pessoas cantando e tocando em um determinado ponto da trilha.
Missão cumprida!
Dados técnicos do Monte Damavand:
- Altitude: 5671 metros.
- País: Irã
- Maior pico do Oriente Médio.
- Maior vulcão da Ásia.
- Segundo maior vulcão do hemisfério norte.
Sites para maiores informações:
http://damavandmt.blogspot.com/
http://www.damawand.de/
Nenhum comentário:
Postar um comentário